O professor racista, “Seu Jorge” , Eddy Jr. e o país racista do preconceito institucionalizado
O ano era 2004, e era uma aula de Realidade Socioeconômica Política Brasileira do curso de Comunicação Social da universidade privada que me formei. Não darei o nome do professor para evitar problemas jurídicos, mas quem estudou comigo vai se lembrar do episódio.
Era um docente que se orgulhava bastante de ser o mais antigo da instituição, sempre frisando isso nas suas aulas que , invariavelmente, discutiam questões da sociedade a partir de uma perspectiva individual, relacionando com sua experiência de vida pessoal. Em realidade, aula era uma exaltação ególatra de um tijucano de classe média que foi morar na Barra da Tijuca.
O sujeito a princípio era simpático, gostando sempre de contar anedotas. Ostentava um bronzeado que dizia ser obtido nos momentos em que frequentava a rede de vôlei na praia da Barra.
E, justamente, em uma de suas aulas resolveu falar de um caso que lhe acontecera em um dia de sol na praia.
Contou que quando participava de uma “rede” com seu filho , o mesmo ficou encantado com uma bela mulher negra de biquíni minúsculo que passava próximo da quadra, e que isso tirou a concentração do seu filho durante uma partida, tendo ele chamado atenção do rapaz. Ao contar isso, o professor fez a seguinte reflexão: “eu não proibiria meu filho de casar com uma mulher daquelas, (passando os dedos no seu próprio braço, como se estivesse tirando uma sujeira)mas eu nunca aceitaria essa relação,
É claro que essa fala gerou polêmica em sala de aula, tendo eu contestado de forma veemente a situação. O fato que se já existia desconfiança da minha parte em relação ao docente, o clima azedou de vez entre nós a partir daquele episódio infeliz. Segui nas aulas restantes do período sem que fizesse qualquer interação com aquele professor, cumprindo minha frequência, entregando trabalhos e fazendo minhas provas de avaliação.
Agora, 19 anos depois, me lembrei da situação, tendo como referência o momento que vivemos hoje no país com a naturalização e crescimento de comportamentos racistas no Brasil. Um exemplo recente disso foi o que aconteceu no Rio Grande do Sul com o cantor e ator “Seu Jorge” que foi vítima de ataques racistas no último dia 14/10 , enquanto fazia um show privado em um clube em Porto Alegre.
Agora surge outro caso em São Paulo que envolve o humorista Eddy Jr, tendo o artista negro sofrido um ataque racista de uma família vizinha no condomínio onde mora.
O caso do professor racista que presenciei mostra o que aconteceu com “Seu Jorge” e Eddy Jr não podem ser considerados casos isolados. No Brasil, a cultura do racismo é institucionalizada. Isso faz com que atitudes e comportamentos racistas sejam considerados normais. O chefe da nação que o diga, pois em palestra no Clube Hebraica- Rio em 2017 chamou integrantes de comunidades Quilombolas de “arrobas”.
Mas a discussão sobre a raiz desse racismo precisa ser pautada, como ele sendo uma das formas de exclusão colocada em pratica pelo capitalismo. No Brasil, pobreza e racismo andam de mãos dadas, se camuflam entre si para dar suporte a uma exploração dos ricos sobre os pobres. Trabalhadores negros ganham menos, moram em favelas e são os mais explorados pelas classes sociais superiores. A exclusão e o preconceito são ferramentas de transferência de renda e acumulação para a burguesia. Quando Eddy Jr e “Seu Jorge”, negros, ascendem socialmente entram num universo considerado restrito aos ditos brancos com recursos, e isso incomoda gente como o professor da universidade que estudei.
E o cerne do debate no pode ser pautado como uma questão restrita a uma moral e de ações individualizadas. O racismo é uma demarcação de espaço daqueles que não querem dividir ou perder privilégios.