O papo de milico e o dono do JB
Atualizado em 08/03/24
Quando você está em uma faculdade, é importante participar de palestras, ciclos e seminários, quem contam pontos para atividade extracurricular.
Em 2004, participei de um Ciclo de Comunicação Social do Comando Militar do Leste (CML) do Exército, sendo ainda aluno do curso de jornalismo da Estácio. Era um encontro anual de Comunicação que o CML promovia, direcionado para estudantes de Comunicação Social. Confesso que não lembro como fui parar no evento, que durou pelo menos uma semana, percorrendo museus, instalações militares e academias, como a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em Resende/RJ e assistindo palestras.
Por curiosidade, me inscrevi e fui lá para arrumar mais uns pontinhos e um certificado para engordar meu histórico da faculdade. Eu pensava: “ah, não custa nada neh, estamos em 2004 e os caras (milicos) devem estar mais atualizados politicamente. Pô, o Lula é presidente , PT no governo”…
No início eram passeios, integração, rango bom, apresentação de unidades militares, com exibição de rambos paraquedistas (Kids pretos) e suas armas, história de campanhas como da 2º Guerra Mundial e tal. Mas nos últimas dias, dedicados aos seminário, s é que você começa a entender o objetivo daquilo tudo e a ficha começa a cair.
Cito uma palestra que assisti, ministrada por um coronel que não lembro o nome, que me deixou bastante inquieto. O tema era sobre 1964, ano do golpe militar, o que ele chamava de “revolução redentora” , tentando explicar que era um chamado contra a desordem institucional que culminou com a deposição do presidente João Goulart em 31 de março.
O coronel tentava justificar a ditadura militar, dizendo que a opinião pública apoiou o movimento militar, e dava como exemplo o apoio maciço dos jornais e veículos de comunicação da época. E que isso, por si só, mostrava que os militares tinham razão em derrubar um presidente. “Era o movimento que tinha o intuito de defender a democracia e os jornais mostraram isso, concordando com a nossa ação” — dizia o militar.
Ao meu lado, como testemunha, estava lá para confirmar essa história, a estimada amiga Aparecida Belford que também participou daquele ciclo há 20 anos.
Ainda no ciclo de palestras conferi uma apresentação feita pelo então dono do Jornal do Brasil, Nelson Tanure, um cara que comprava empresas estatais e empresas quebradas, demitindo sem dó e piedade. Tanure ficou incomodado com uma perguntinha minha sobre a demissão do inesquecível jornalista Alberto Dines que havia feito uma critica no próprio JB sobre as lambanças do casal Garotinho que então governava o Estado do Rio de Janeiro. O problema é que o governo do RJ era um dos grandes patrocinadores do jornal naquela época. Por disso, Dines foi demitido porque mexeu com o patrocinador.
No encerramento do ciclo tirei duas conclusões: os milicos queriam conquistar corações e mentes de jovens estudantes de jornalismo, contando uma lorota e enchendo a nossa pança para mostrar que eram bonzinhos.
E a outra foi de que eu nunca conseguiria emprego no Jornal do Brasil, com aquela pergunta para o magnata, dono do jornal.