O homoneoliberalis, o ‘você S/A’
Há em curso o desenvolvimento pelo mercado, e de seus braços midiáticos, de um humano ideal , o “homoneoliberalis”.
Um ser moldado a entender que o neoliberalismo não é somente uma doutrina econômica ou ideológica a ser seguida por estados, governos e empresas. O conceito se aprofunda na sociedade de uma forma difusa e cultural, se estendendo até às relações sociais. O “homoneoliberalis” é o sujeito empresarial, aquele que leva a sua vida utilizando pressupostos de uma empresa, levado a crer que ele é uma empresa. E que relativiza a cultura do assédio moral. “É preciso ser resiliente nestas situações”
Neste mundo empresa suas relações pessoais e interpessoais se pautam pela lógica de resultados, custos e eficácia. Assim é na vida escolar e profissional, vida sexual e afetiva, e assim por diante. É o mundo liquido tantas vezes descrito nas obras de sociólogo Zigmunt Bauman.
O colaborador ou trouxa?
Tudo a ser feito em vida deve seguir como um “investimento” em um processo de valorização do eu, sobre o qual o indivíduo é inteiramente responsável.
Na vida profissional esse sujeito abre mão do seu tempo – lazer e família - em troca de um comprometimento com a empresa a qual vende sua alma e mão de obra.
Ao “vestir a camisa”, o “colaborador”, nome atualmente usado para denominar o trabalhador, se vê na condição de abrir mão do bem estar em detrimento da empresa. A sua carreira é a meta mais importante da sua vida.
O “homoneoliberalis” é doutrinado a aceitar o descarte do emprego, conformando-se com o desemprego e a conjuntura, assumindo a total responsabilidade por isso, por entender que sua capacidade de trabalho não estava adequada com que a empresa necessitava, apesar da precarização a que era submetido. “Poderia ter trabalhado mais, a minha demissão mostra que não me comprometi o suficiente" - lamenta.
Depressão,assédio e desmobilização
Esse tipo de situação o leva a desenvolver um sentimento de baixo estima, caindo em depressão. Logo, se considera um perdedor, ou seja, um loser.
Ainda na vida profissional, o “homoneoliberalis” abdica de sua condição critica em seu entorno de trabalho. Ele considera colegas de trabalho potenciais inimigos na dinâmica da concorrência interna, situação que o faz competir na busca a qualquer custo de um melhor salário e destaque hierárquico, não questionando de forma alguma, ordens, tarefas e políticas da empresa, desconsiderando totalmente qualquer tipo mobilização e agrupamento que remeta pratica sindical.
Todas essas premissas são preconizadas através da indústria cultural, mais precisamente a partir da grande mídia. Aqui no Brasil, por exemplo, temos o Instituto Millenium, uma entidade com 10 anos de atividades, que propaga o pensamento neoliberal, a partir de mantenedores e parceiros do mercado de comunicação como a Editora Abril, o Grupo Estado, RBS e organizações Globo, entre outros. Para colocar essa ação em prática são utilizados espaços em veículos de massa como a rádio CBN, que apresenta programas da sua grade voltados para apoio a empreendedores, disseminando assim o neoliberalismo nas ondas do rádio. Isso sem contar na TV a Cabo como o canal de informações GloboNews.
‘No time for losers’
Os pensadores franceses Pierre Dardot e Christian Laval em ‘A nova razão do mundo’, obra que passa a limpo todos os lugares-comuns sobre a natureza do capitalismo contemporâneo, fazem uma analise e retratam bem essa sociedade contemporânea, e citam um hit da banda inglesa ‘Queem’.
“We are the champions” [Nós somos os campeões] – esse é o hino do novo sujeito empresarial. Da letra da música, que a sua maneira anuncia o novo curso subjetivo, devemos guardar, sobretudo esta advertência: ‘No time for losers’ [Não há tempo para perdedores]. A novidade é justamente que o loser é o homem comum, aquele que perde por essência. De fato, a norma social do sujeito mudou. Não é mais o equilíbrio, a média, mas o desempenho máximo que se torna o alvo da ‘reestruturação’ que cada indivíduo deve realizar em si mesmo.” - diz o trecho do livro.
A meritocracia: o homem é lobo do homem
A meritocracia é o termo que o “homoneoliberalis" mais reverencia e repete para justificar o sucesso do outro. Ele ainda acredita que o chamado Estado Social não é capaz de incorporar a maioria dos excluídos da sociedade através de programas e políticas sociais. Minimiza a importância da igualdade de gênero e direitos LGBT. O “homoneoliberalis” entende que a pobreza é um processo natural da condição humana. A partir de seu “darwinismo social”, a sociedade passa por um processo de seleção natural entre os indivíduos que buscam um melhor posicionamento social econômico.
Em suma, este homem contemporâneo é levado a incorporar a célebre frase de Thomas Hobbes, filósofo inglês do século XVII, autor de Leviatã, “O homem é lobo do homem". No fundo, o “homoneoliberalis” engole a si mesmo.