André Lobão
3 min readJul 25, 2020

Nunca fomos tão tristes, e brasileiros

Imagem Papo de Bar de Julia Tarraf

Em meus quase 50 anos de vida confesso que nunca vi um Brasil tão baixo astral e sisudo como temos atualmente. Com 12 anos de idade já me interessava pelo debate político e observava os últimos suspeitos da ditadura militar. Tempos de João Figueiredo, que adorava cheiro de bosta de cavalo ao cheiro de gente.

Tempos de uma inflação que já começava a galopar forte sob comando econômico de Delfim Neto que tinha a tese do deixar o bolo crescer para depois repartir, para justificar a já então debatida desigualdade social brasileira.
Em meus tempos de pobreza na adolescência o que restava era usar os tickets de leite do Sarney e sonhar com um pedaço de carne de boi que tinha subido dos pastos. Isso, tivemos momentos da historia do Brasil em que os bois foram escondidos e sequestrados. A única coisa que foi para o matadouro foi o plano Cruzado.

Um Brasil cansando dos fracassos econômicos, mas sedento por democracia em 1989 elegeu o homem que dizia ter uma bala de prata para matar o tigre da inflação. Collor em seu primeiro dia de posse aplica um plano econômico que confiscava no início de 1990 todo dinheiro guardado da classe média brasileira.
Eu, um simples continuo que cursava o supletivo de noite achava engraçado meu patrão dizer que não tinha dinheiro para pagar o meu mínimo salário.

E atravessamos o impeachment de Collor, aturamos Itamar; sobrevivemos ao FHC, tivemos esperança com Lula; achávamos que éramos "gente" com Dilma e sucumbimos a inércia petista frente ao avanço neoliberal.

Depressão econômica , golpe e Temer...
Começamos a perder os anéis, paletós, sapatos e direitos.

Eu faço essa cronologia para chegar até o presente momento com o intuito de fazer uma comparação da minha linha do tempo de 37 anos, e dizer que nunca durante todo esse processo que narrei observei um momento tão triste e sem perspectiva das pessoas.

O brasileiro não é mais o mesmo. Outro dia li um artigo do professor de filosofia da USP, Vladimir Safatle, que tratava da indiferença das pessoas com as mortes provocadas pela pandemia da COVID-19. Nem luto temos mais, os mortos se tornaram meros números.

Conversando através de um aplicativo com um amigo meu lembrei de um filme brasileiro que tratava da falta de perspectiva do nosso povo durante o plano Collor. " Terra Estrangeira" de Walter Salles Jr. que narra a história de Paco um brasileiro que se manda para Portugal para tentar a vida.

"Mas hoje nem podemos pensar em ir embora, pois somos párias, ninguém nos quer" - disse o meu amigo.

A sensação é de beber a saideira no pior boteco da cidade, cujo o dono é a cara do Bolsonaro. E puto você engole aquela cerveja ruim que merece ser paga para nunca mais ser bebida. Ir embora com poucos trocados no bolso, sabendo que o ônibus não passa mais naquele horário e que você vai mofar até o amanhecer na parada, tendo que ir trabalhar cansado e com a mesma roupa.
É isso, uma sensação de tempo perdido e de desesperança pelo ônibus que não vai passar. Este é o clima no Brasil de 2020.

André Lobão
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Written by André Lobão

Apenas um jornalista antineoliberal, anticapitalista e brasileiro, acima de tudo.

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