André Lobão
4 min readMay 9, 2021

Mães, filhos e futebol — “Não solta a minha mão”

Eu com Dona Celeste no Maracanã, em 2019

Sempre fui apaixonado por futebol, estádio do Maracanã e pelo Fluminense, repetindo a mesma paixão da minha mãe. Aliás gostaria de compreender como essas paixões no futebol se repetem nas relações entre pais e filhos, no meu caso foi a partir de mãe.

Até hoje, dona Celeste, do alto de seus 78 anos, fica igual pinto no lixo quando assiste uma partida do Flu no Maracanã. A última que assistimos juntos foi em 2019, no jogo entre Flu x Palmeiras pelo Brasileirão, em que nosso amado tricolor ganhou por 1x0 dos "porkis".

Depois disso chegou a pandemia em 2020 e as arquibancadas se tornaram espaços fantasmas, com futebol só na TV.

Das primeiras idas, quando criança, lembro vagamente de jogos entre os anos de 1975 e 1976, quando com 4/5 anos , não entendia porcaria nenhuma de futebol.

A lembrança era de ficar feliz ao vestir uma camisa tricolor, colocar um short branco e calçar um par de kichutes com meiões brancos, partindo de ônibus para os jogos.

Antes de entrar no estadio minha mãe comprava laranjas que eram vendidas por ambulantes, descascadas em máquinas com manivelas. Eu adorava ver a laranja ser descascada, achava aquilo um barato!

Ao entrar, cada um com sua almofada, sim se usava almofadas para sentar no assento duro de concreto da arquibancada, ficávamos sempre atrás do gol.

Depois de nos acomodarmos era hora de mais um lanchinho e eu pedia o maravilhoso cachorro quente "Geneal", um pão careca macio que vinha acompanhado apenas de uma solitária salchicha cozida. O vendedor com um tubinho pingava mostarda e catchup e aquilo ficava gostoso, acho que por isso o nome do sanduíche era "Geneal". Para acompanhar o lanchinho, o bom e velho Mate - Leão que no Maracanã ainda era vendido pelos ambulantes em galões, como é até hoje nas praias do Rio.

De barriga cheia era hora da entrada dos times e de entoar os cânticos. Era a parte que eu mais gostava, pois neste momento eram distribuídos os saquinhos com "pó de arroz" que eram jogados pelos torcedores para alto, assim que o Fluminense adentrava o gramado.

O pó branco distribuído pelas torcidas organizadas, era em realidade porções de farinha de trigo, talco e até cal. Lembro que minha mãe era cuidadosa em não deixar que eu esfregasse os olhos e sempre limpava minhas mãos com uma garrafinha de água.

Mas ao começar partida eu ficava entediado. Aquela bola pra lá e pra cá, com um monte de homens correndo atrás era de dar sono. Eu ficava brincando com os copos de mate que sobravam , enchendo-os com o que restava do pó de arroz.

Na hora do intervalo, o momento do xixi, e dona Celeste pedia ao vizinho da arquibancada que tomasse conta dos nossos lugares enquanto íamos ao banheiro.

É claro que eu ia ao feminino com minha mãe, mas sempre perguntava porque não podia ir no outro banheiro dos meninos. "Meu filho lá é o banheiro dos homens e eu não posso entrar lá". E o garoto chato respondia: "Mas mãe, os meninos entram lá...". Enfim, dilemas que crianças sempre pontuam, e que quase sempre nunca há respostas.

E começava o segundo tempo e o senta e levanta na arquibancada. Quando todos sentavam, eu ficava em pé. E quando todos levantavam, eu ficava sentado.

E tinha gol do Flu, Rivelino! Minha mãe me levantava no colo, gritando gol, gol, gol , abraçando também quem estava ao nosso lado. Um momento de catarse coletiva, o gol é a explosão e purificação da alma do torcedor de futebol.

Sim, o Maracanã era o melhor dos mundos!

Ao final do jogo, a lembrança é de descermos a rampa do estádio de mãos dadas em meio a milhares de pessoas na volta para casa em busca do ônibus lotado. "Filho, não solta a minha mão"

Tempos depois, já adulto, fui entender que para minha mãe aqueles jogos eram o seu escape emocional e talvez a única forma de se entreter, esquecendo por três horas as angústias da vida, o trabalho e a pressão de ser uma mãe sozinha a cuidar de um filho, em tempos que mulheres não iam a estádios de futebol sozinhas, muito menos com seus filhos pequenos.

Hoje o ídolo é o Fred, e minha filha Malu também adora a camisa do Flu, sempre pede para usar, mas não suporta assistir futebol na TV.

Só espero que quando a pandemia passar possamos ir os três juntos ao Maracanã.

André Lobão
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Written by André Lobão

Apenas um jornalista antineoliberal, anticapitalista e brasileiro, acima de tudo.

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