A sala do pum

André Lobão
5 min readApr 26, 2024

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Imagem: BOHN FOTOGRAFIAS

Depois de uma certa idade você necessita fazer exames mais invasivos, e como não poderia deixar de ser isso aconteceu comigo. E lá fui eu fazer uma colonoscopia, um exame que visa identificar possíveis pólipos no cólon do intestino.

A princípio quando o médico te pede esse tipo de exame você fica tenso e ansioso. Com 52 anos de idade, o medo do câncer e da morte é uma realidade presente. Mas para se ter qualidade de vida e usufruir melhor o tempo, que passa em um piscar de olhos, não há alternativa senão submeter-se a um exame como esse.

A angústia começa com o uso de laxantes em doses cavalares dois dias antes do evento . O banheiro passa a ser o espaço frequentado por você da sua casa, e eu perdi a conta de quantas vezes sentei no trono do meu lar no período.

Em crise de ansiedade, eu comecei a conversar pelo WhatsApp com amigos que já realizaram o procedimento. Compreensivamente, eles percebendo minha angústia tentavam me tranquilizar. “ Fica tranquilo, você vai ficar zerado com tudo limpinho”.

Finalmente chega o dia e acordo como se estivesse me preparando para um julgamento. O sentimento de culpa se faz presente com a lembrança dos excessos e das porcarias que bebi e comi ao longo da minha vida. Me vem à mente um ditado popular, “o homem é aquilo que come”.

Faço uso da última dose cavalar do laxante, diluo 10 pacotes do pó em 750 ml de água. A mistura faz surgir um líquido branco e viscoso que tem gosto de um refrigerante que nem vende mais aqui no Brasil, 7up, que até patrocinou o Botafogo quando o time ganhava alguma coisa nos anos 1990 com o Túlio Maravilha. Bebo o laxante como se fosse o último copo de chopp de uma noitada, direto na garrafa, sem parar. Fico embrulhado com uma vontade de vomitar, mas o mal-estar passa. Só queria me livrar daquela porcaria. Que sacrifício é beber essa fórmula…

Me preparo e minha acompanhante chega, minha mãe que diz, “vamos, fique tranquilo São Jorge te protege meu filho”. Tenho a sensação de que vou enfrentar um dragão.

Peço o carro e me dirijo ao centro médico. Chego e caminho por um corredor que mais parece de um hotel, me apresento à recepcionista que me pede os mesmos documentos e informações do agendamento que fiz pelo Whatsapp. Me sinto irritado, mas atendo o pedido. Penso: “é o trabalho dela, deve aturar pessoas tão ansiosas quanto eu, vida que segue”.

Me encaminho para uma sala com banheiro com a minha mãe. Conversamos sobre coisas da vida, política e futebol. De repente eis que surge uma enfermeira com um copo cheio na mão de um líquido cor de laranja, parecendo ser um Redoxon, “o senhor terá que tomar isso aqui e daqui a pouco mais dois copos do mesmo laxante”. Digo ok, e pergunto se o exame vai começar, são 12h30. “O senhor terá que aguardar mais duas horas para o procedimento, ah coloque por favor essa camisola e tire sua cueca”, me disse a enfermeira me indicando usar uma bata que mais parecia indumentária do um monge franciscano.

O tempo passa e perdi as contas de quantas vezes fui ao banheiro naquelas duas horas que passam. Com soro aplicado me enrolo para sentar-me no trono. Minha mãe me ajuda e comento, “pô mãe há quanto tempo você não me vê pelado e com a bunda de fora fazendo cocô?”. Dona Celeste ri.

Então está chegando a minha vez. A enfermeira registra o peso na balança e anota. Pego minha bolsa e despeço da minha mãe, tenho até vontade de chorar, mas fico na minha. A sensação é de um boi indo para o matadouro como acontece nesses vídeos de abate que aparecem no Youtube, postados por veganos.

Fico sentado numa sala com várias poltronas. Andando arrastando o andador do soro, sinto meus “bagos balançarem”, fico com vergonha. Sento-me em uma poltrona e ao lado uma senhora com a aparência oriental puxa conversa. “O sr. vai fazer endoscopia?”, logo respondo: “não senhora, farei outro exame”, envergonhado em dizer o nome do meu.

Após mais uma ida ao banheiro, sou finalmente chamado para a sala do procedimento. Uma enfermeira indica deitar-me na maca, “abra seu roupão e vire de lado”. Olho para o teto e vejo as lâmpadas acesas, a porta da sala é enorme. Vejo um monitor e uma coisa que parece ser uma mangueira de sucção. “Putz, vão enfiar isso mim”, penso.

20 minutos se passam e o médico responsável do procedimento não chega, estou apreensivo, passa a minha vontade de ir ao banheiro de novo. Fico refletindo como ficamos tão vulneráveis em momentos como esse. “Somos nada nessa vida…”

O médico chega e já pede que eu seja anestesiado e começa a conversar comigo. Relato o meu anseio, informando que o exame foi pedido pela minha médica. Eu sinto que estou apagando, tenho medo de não voltar, mas mantenho a calma, quando tudo se apaga de vez.

Acordo com dores no abdômen e muita flatulência. A enfermeira me ajuda a sentar em uma poltrona e me posicionar de lado, solto um “punzão”. A moça me olha e percebe que estou incomodado e com vergonha, “Não fique assim não, é importante que você solte seus gases, não se incomode”, disse tentando me acalmar.

Vejo um sr. conduzido em uma maca ainda dormindo, imagino que cheguei na mesma situação. A sra. oriental ainda está na sala e me pergunta se estou bem, digo que sim. Olho para ela e solto mais um pum, tapando o rosto dando risada. Ela faz um semblante de que não entendeu nada.

Aos poucos me recomponho, a chefe da enfermaria me avisa que posso trocar de roupa e que o médico virá falar comigo.

Olho mais pessoas chegando de seus respectivos procedimentos, parece uma linha de produção e todos começam a soltar pum como eu soltei.

O médico me chama, me avisa que o resultado do meu exame não apresentou nenhuma anormalidade, “o sr. está bem, daqui a quatro faça outro”, me tranquiliza.

Sou liberado, só quero voltar para casa. Chamo minha mãe que me aguarda ansiosa, “tudo bem, filho?”. Respondo dando um abraço nela: “tudo bem mãe, deu tudo certo, vamos para casa”.

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Written by André Lobão

Apenas um jornalista antineoliberal, anticapitalista e brasileiro, acima de tudo.

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